A analogia homem-máquina na fisiologia cartesiana

dc.citation.issueVIpt_BR
dc.creatorVasconcelos, Paulo Sérgio Dantas
dc.creatorUCSAL, Universidade Católica do Salvador
dc.date.accessioned2020-10-27T16:38:38Z
dc.date.available2020-10-27
dc.date.available2020-10-27T16:38:38Z
dc.date.issued2003-10
dc.description.resumoCom a conhecida analogia ao descrever o corpo como uma máquina, Descartes anuncia previamente todo o percurso que tomará essa constituição no Tratado do Homem (1632), ou seja, não há no corpo humano nada mais do que numa máquina. A natureza do corpo humano torna-se análoga à das máquinas, sendo possível, dessa forma, conhecermos aquela através destas. Rompendo com as barreiras que separavam a Biologia da Física, o corpo humano aparece nesta obra como uma máquina – desdobrada no espaço, em que todas suas peças atuam umas sobre as outras, graças aos seus movimentos diretamente relacionados a determinadas funções. Descrevendo primeiramente o corpo (as outras etapas não foram desenvolvidas no tratado), Descartes se utilizará da analogia deste com a máquina para melhor conhecê-lo e conseqüentemente poder zelar pela sua preservação. Nesse contexto, as peças contidas nessa máquina, análoga ao corpo humano, terão suas ações vinculadas à locomoção, alimentação, respiração e todas as outras funções orgânicas, isto é, aquelas que só dependem da disposição dos órgãos, da matéria. Em síntese, Descartes procura mostrar o que é necessário ao homem-máquina para que suas atividades sejam compreendidas como uma seqüência de movimentos mecânicos. O filósofo analisa uma máquina semelhante a nós para mostrar que tudo se dá analogamente. O corpo humano é, nesse sentido, uma máquina cujas engrenagens complexas, à primeira vista, não apercebemos. Mas pelo recurso da analogia tudo é mais facilmente compreendido. Não há no corpo nada que não possa ser perfeitamente visto numa máquina, na medida em que, ambos estão submetidos às mesmas e únicas leis da natureza. Quando opera essa redução dos eventos fisiológicos a fenômenos mecânicos, Descartes está a sustentar que todos os princípios do movimento das partes de um corpo devem obedecer rigorosamente às leis naturais da mecânica, as quais regem toda e qualquer matéria. Assim, objetiva, na obra citada, analisar a estrutura e função do organismo humano, estabelecendo constantemente uma analogia deste com o suposto autômato: o corpo humano é explicado como matéria em movimento, uma “[...] máquina de terra formada por Deus” da mesma natureza de todos os corpos físicos do mundo e obedecendo identicamente a todos os princípios que regem as naturezas criadas. Sua fisiologia, portanto, não se separa em nada da sua física. Comparando o corpo, ou melhor, o que não vemos do corpo (órgãos internos, sangue, nervos, etc.) a uma máquina, Descartes busca, na verdade, torná-lo “visível” e, desse modo, compreensível, seguindo assim os preceitos normativos das Regras, que oferecem um método de ordem e simplificação de questões científicas propostas. Na máquina pode-se ver não só cada peça que a compõe, mas também uma certa ordem de funcionamento que facilita sua inteligibilidade, explicando o oculto do corpo humano pela semelhança que possui com os mecanismos próprios de uma máquina. Outro aspecto importante constatado nesta analogia entre homem-máquina é que o mecanicismo cartesiano procura – por este recurso de redução às leis da geometria e da física – aplicar toda a realidade corpórea aos limites da extensão, movimento e figura: Depurando da natureza essas “potências imaginárias”, é possível explicar as funções fisiológicas por meio de leis mecânicas; as mesmas que servem para explicar toda e qualquer matéria, seja ela o corpo humano ou não. Portanto, o macro universo (o mundo) e o micro universo (o corpo humano) são constituídos por uma mesma e única matéria e subordinados às mesmas leis. No Tratado do Homem, o organismo não é mais que o conjunto de suas partes, do mesmo modo que uma máquina não é senão um conjunto de polias, válvulas, tubos, molas, etc. As funções de um organismo (respiração, digestão, locomoção) se explicam pela disposição e o movimento de suas partes, do mesmo modo como o funcionamento de uma máquina depende da organização de suas peças. Desse modo, o modelo máquina serve a um propósito metodológico eficaz: a análise de um organismo nas partes que o compõem permite a compreensão de suas funções e atividades, isto é, o conhecimento do corpo, sem que este esteja em algum momento em desacordo com as leis naturais. O corpo descrito como uma máquina, não há necessidade de introduzir neste, nenhuma alma vegetativa ou sensitiva, pois todos os processos biológicos (digestão, respiração, movimentos dos membros e até mesmo percepção) são explicados unicamente por processos mecânicos. Extensão inerte e passiva, a matéria receberia seus movimentos de Deus, criador e conservador do mundo e de suas leis. Assim Descartes, com relação à matéria do mundo, supõe que [...]. Toda a distinção que Deus colocou na matéria consiste da diversidade e dos movimentos que Ele lhe dá, fazendo que desde o primeiro instante que foram criadas, umas partes começaram a se mover para um lado, outras para outro, mas outra mais lenta (ou menos, se queres, sem movimento algum) e que elas continuam seus movimentos seguindo as leis da natureza. A natureza, concebida um sistema de matéria em movimento governado por leis – em que tais leis podem ser determinadas com exatidão matemática, em que toda a natureza é explicada por reduzidas regras, excluindo dela qualquer referência a forças vitais ou causas finais – todo fenômeno pode ser demonstrado por meio de modelos mecânicos. Estes substituem o fenômeno real que se pretende analisar. Tal recurso é tanto mais eficaz, isto é, tanto mais adequado, quanto mais o modelo for construído mediante elementos quantitativos e aptos para serem reduzidos às formulações da Geometria. A máquina, modelo explicativo, tem em cada uma de suas peças uma função específica e análoga aos órgãos do corpo humano: nervos comparados a tubos, músculos comparados a engrenagens, coração à fonte, etc. Não há, nessas relações, nenhuma espécie de hierarquia entre fenômenos corporais. Tudo é explicado apenas pelas disposições dos órgãos, anulando assim, proporcionalmente, o maravilhamento e a admiração no âmbito da ciência cartesiana. Nesse processo, a fisiologia cartesiana não se detém em saber se o corpo é ontologicamente uma máquina: apenas pergunta se, concebendo-o como máquina, tem-se acesso mais fácil ao conhecimento da sua estrutura. Na máquina (modelo), pode-se ver não só cada peça que a compõe como, principalmente, o seu funcionamento; dessa forma, o visível da máquina adquire uma articulação que torna possível a percepção distinta de suas partes exteriores umas às outras e apresenta o organismo como totalidade significante. Essa identificação dos corpos naturais com os artificiais legitima o uso da analogia homem máquina, facilitando o desvelamento do corpo desencantado por meio dos eventos fantásticos do maquinário. À fábula das máquinas recorre uma ciência que desencantou o mundo e que agora só lhe tem acesso por modelos forjados, justamente para servir ao domínio científico. É nesse sentido que a concepção do mundo como “geometria realizada” 17 leva Descartes a construir uma ciência com caráter de “romance filosófico”Em síntese, podemos destacar, dentre outros, quatro importantes aspectos do uso cartesiano do modelo máquina na constituição de sua fisiologia: O primeiro é a inspiração em um reducionismo radical, em que o funcionamento dos macrofenômenos é explicado somente por referência às interações das micropartículas. Um segundo traço, relacionado ao primeiro, é a rejeição da necessidade de se postular poderes e forças ocultas: Descartes rejeita o uso das causas finais no sentido aristotélico do termo – ou seja, a finalidade externa ou dirigida para uma meta. De toda forma, a finalidade é inútil à ciência que procura o como, e não o porquê; é ininteligível num mundo no qual os corpos não mais possuem uma tendência unicamente para a realização de seu fim ou de sua essência, mas se reduzem a um agregado de partículas desprovidas de toda essência ou de toda inclinação própria. O terceiro ponto é a abordagem simplificadora: a natureza se vale de meios muito simples e por maiores que sejam as complexidades perceptíveis na aparência, os mecanismos subjacentes revelam-se tão claros como os de uma máquina. Por último, podemos dizer que a natureza exibe em seu mecanismo uma total homogeneidade: não há diferença entre a natureza animada e a inanimada ou entre os fenômenos naturais e os provocados pelo homem (como as máquinas), uma vez que ambos estão submetidos às mesmas leis de todo universo material.pt_BR
dc.identifier.isbn85-88480-18-12
dc.identifier.issn85-88480-18-12pt_BR
dc.identifier.urihttps://ri.ucsal.br/handle/prefix/2003
dc.languageporpt_BR
dc.publisherUniversidade Católica do Salvadorpt_BR
dc.publisher.countryBrasilpt_BR
dc.publisher.initialsUCSALpt_BR
dc.relation.ispartofSEMOC - Semana de Mobilização Científica- A analogia homem-máquina na fisiologia cartesianapt_BR
dc.rightsAcesso Abertopt_BR
dc.subjectFisiologiapt_BR
dc.subjectSEMOC - Semana de Mobilização Científicapt_BR
dc.subject.cnpqSociais e Humanidadespt_BR
dc.subject.cnpqMultidisciplinarpt_BR
dc.titleA analogia homem-máquina na fisiologia cartesianapt_BR
dc.title.alternativeSEMOC - Semana de Mobilização Científicapt_BR
dc.typeArtigo de Eventopt_BR

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