Uma abordagem urbana sobre o carnaval de Salvador

dc.citation.issueVIpt_BR
dc.creatorSouza, Fábio Antônio Moura Costa de
dc.creatorUCSAL, Universidade Católica do Salvador
dc.date.accessioned2020-10-27T17:50:58Z
dc.date.available2020-10-27
dc.date.available2020-10-27T17:50:58Z
dc.date.issued2003-10
dc.description.resumoFoi-se o tempo em que o Carnaval de Salvador era um fato social lastreado por uma cultura européia, em princípio, e com influência africana, posteriormente, quando famílias, grupos e entidades se reuniam espontaneamente em recintos fechados ou abertos (ruas) com os fins precípuos da prática de brincadeiras, danças, desfiles, manifestações artísticas ou até mesmo protestos. Trazido ao Brasil pelos portugueses e conhecido inicialmente como Entrudo, já na segunda metade do século XIX se tem notícias (com críticas) dessa manifestação popular. Contudo, apesar de mais de um século e meio de aprontes carnavalescos em que o formato Entrudo cede lugar ao Carnaval propriamente dito, é só a partir dos anos 80 do século XX que tem início a transformação para o “modelo” de Carnaval hodierno que “brincamos”. A passagem do Entrudo para o Carnaval não foi tranqüila. O Entrudo foi proibido pelas autoridades várias vezes, e houve um momento em que conviveu com o Carnaval. Refletir sobre o Carnaval da Bahia e estudá-lo pode ser algo mais profundo e enriquecedor do que a maioria das pessoas possa imaginar. Para quem acha que abordá-lo é simplesmente um ato de quem aprecia a fuzarca e somente trabalha as amenidades superficiais da sociedade pode, e vai, certamente, se surpreender com toda a gama de informações e aspectos sociais, econômicos, artísticos e de caráter urbano que estão por detrás dos dias da grande festa baiana. Para se compreender o carnaval baiano, com ele é atualmente, é necessário olhá-lo holisticamente, e também, mais atrás no tempo, antes que simplesmente apreciá-lo diante da televisão ou mesmo apreciá-lo do meio-fio da rua ou dentro de luxuosos camarotes, se não se é folião de bloco ou “pipoca”. 3. Se, basicamente, do início dos anos 90 para cá, a festa se realiza num mesmo formato e modelo empresarial, isso não foi por acaso. Tem-se que analisar os aspectos que delinearam a festa assim como a vemos hoje. Toda a cara da cidade, a sua imagem urbana, se modifica em função da apoteose que ela vive nos atuais seis dias oficiais da festa. Os órgãos oficiais (são mais de vinte, os órgãos públicos envolvidos na festa) – que no passado recente (até os anos 80) apenas forneciam uma estrutura básica para o acontecimento, atualmente montam uma infra-estrutura muito profissional e coerente com a magnitude do evento. O carnaval de Salvador, por si só, requer exclusividade. No passado em menor dimensão, é verdade, quando o comércio praticamente não fechava as portas durante os dias da festa. Entretanto, com o progressivo crescimento da festa e mais dias sendo incorporados ao calendário carnavalesco, as casas comerciais, escritórios, repartições e bancos foram sendo, praticamente, obrigados a se submeter à lógica que norteia o sentido original da celebração: que é a transgressão dos valores sociais vigentes e, até mesmo, à inversão de alguns deles (ALMANDRADE, 1996). Deste modo vive-se nas ruas da cidade nos dias festivos aquilo que não é possível ou permitido ao longo do ano, visto que se troca a atividade laboral, pelas festas e bailes; a tranqüilidade e silêncio, pela aglomeração e barulho; as economias e poupanças, por gastos supérfluos e lazer. Em relação à segregação urbana dos espaços da cidade por onde acontecem os desfiles e shows, é verdade afirmar que isto sempre ocorreu de um modo separatista entre os grupos e classes sociais de Salvador. Não é mais do que um rebatimento, na festa, da estrutura da sociedade baiana, historicamente elitista, segregadora e permeada de preconceitos. Com a abolição da escravatura, e, mesmo, um pouco antes, teve início a separação das moradias entre os negros/mestiços que passaram a constituir as favelas e ocupações informais de áreas de encosta e baixadas da cidade e entre os brancos que, da habitação no Pelourinho, passaram a morar nas cumeadas dos morros a partir do processo de expansão de Salvador no final do séc. XIX e inicio do séc. XX, ocupando novos espaços como o Campo Grande, Vitória e Graça. No Carnaval sempre se conseguiu, e se consegue até hoje, delinear a separação entre negros/mestiços e brancos, e entre ricos e pobres. Mesmo quando dividiram, no final do séc. XIX, o mesmo espaço de desfile nas ruas e na própria sucessão hodierna dos blocos de trio nos circuitos da folia. É histórico. Até o final dos gloriosos bailes carnavalescos nos refinados clubes, os afrodescendentes e brancos pobres nunca tiveram acesso a esses eventos. E assim mesmo, numa fase intermediária do processo, quando a festa ganhou as ruas (por volta da década de 20), eles desfilavam na região da Baixa dos Sapateiros (Rua J. J. Seabra), enquanto que a população branca e rica desfilava pelas ruas do centro (LOIOLA; MIGUEZ, 1996). A partir dos anos 90, o que se observa é a elitização da festa nos espaços da orla, marcadamente no circuito Barra-Ondina, tentando afastar os menos favorecidos para os carnavais de bairros (Liberdade – Cajazeiras – Periperi – Itapoã) fora do eixo da grande festa ou procurando mantê-los na, desde sempre, praça do “povão”: a Praça Castro Alves e suas imediações, que, aliás, nem contou com o tão famoso encontro de trios no Carnaval deste ano de 2003. Além da segregação física dos espaços urbanos da cidade, ainda temos a separação da população nos espaços dos desfiles apropriados pelas cordas dos blocos de trio, que foi a forma que eles encontraram para garantir os espaços antes públicos que são as ruas: os de maior poder aquisitivo dentro das cordas, e os que não o têm fora delas, ao longo do meio-fio. A última palavra em segregação sócio-espacial no Carnaval é o camarote que, de alguns anos para cá, tomou a cena, quando Daniela Mercury montou o “seu” espaço no Circuito Dodô. Neste ponto é interessante ponderar como a realidade da industrialização brasileira e seus reflexos na sociedade ao longo de 70 anos, aproximadamente, é passível de ser comparada ao que aconteceu no carnaval de Salvador: se esta industrialização se deu de forma concentrada e centralizada, afastando paulatinamente os ricos dos pobres – criando e assim uma camada social intermediária denominada de classe média –, na capital baiana não foi diferente, pois o Carnaval, inicialmente bipolarizado entre brancos e negros/mestiços; ricos e pobres; estar dentro dos blocos ou fora deles, nos anos 90 assume uma outra condição. Agora se tem as elites soteropolitanas (ou não) alojadas confortavelmente nos camarotes, a classe média disputando lugares e status nos blocos de trio de ponta e a grande parcela da população carente de recursos financeiros e sócio-culturais, engalfinhando-se nas calçadas e sarjetas ou se divertindo nos blocos de terceiro escalão ao som de bandas de pagode (em pleno Carnaval). Também a atividade econômica inerente e decorrente dos dias de momo que MIGUEZ (1996) definiu, acertadamente, como “Economia do Lúdico” é outro ponto importante na análise da imagem urbana criada pelo carnaval de Salvador. É a chamada “Indústria do Axé” (autor desconhecido). São comércios que ocorrem de forma sazonal ou que se prolongam por todo o ano. Como exemplos podemos citar: a indústria hoteleira (com picos no verão); mercado de bebidas e gelo; confecções de fantasias e adereços; vendas de carnês dos abadás dos blocos; a indústria fonográfica baiana com repercussão nacional e internacional, que emprega diretamente 5 mil pessoas (estimativa de empresários do setor em 2000); festas e shows por todo o ano; micaretas por todo o Brasil; atividade publicitária, os empregos ligados à própria festa (segurança, fiscalização, etc) e tantas outras atividades menos “nobres”, mas que caracterizam os contrastes sociais da cidade, a exemplo dos catadores de latinhas de alumínio e flanelinhas de carros e dos “cordeiros”. O carnaval da Bahia já virou mercadoria, e mercadoria cara, visto que a mercantilização foi tão intensa que – para se ter retorno financeiro ao investimento a Prefeitura, o Governo do Estado e as entidades carnavalescas – tiveram que empreender ao longo dos anos um profissionalismo jamais visto antes de 1994 (COSTA,1996), e que já havia começado no início da década de 80. Dessa forma, o Carnaval, como vitrine da cultura e do modo de ser dos baianos, pode ser facilmente exportado para outras cidades do Brasil em face de todo um aparato de estratégias e técnicas de marketing (DIAS, 1996). Apesar de tudo, o sucesso do carnaval baiano se deve a todo o contexto em que ele se formou: a grande influência da cultura negra, os ritmos, as músicas, a uma formação heterogênica dos indivíduos na sociedade baiana; além disso a espontaneidade e o famoso jeito de ser do baiano são conhecidos no Brasil e fora dele. E como diz Moura (1996): “[...] o gosto pela novidade [...].”. É como se a festa, a celebração estivesse no sangue do baiano. E foi justamente sobre a influência da matriz negra, a partir do final dos anos 80, que o carnaval deu o salto para o sucesso que se tornou até estes últimos anos, que se iniciaram em 99, e que apontam para uma provável estagnação do evento – se nada de novo for elucubrado pelos planejadores do evento e pelos artistas.pt_BR
dc.identifier.isbn85-88480-18-12
dc.identifier.issn85-88480-18-12pt_BR
dc.identifier.urihttps://ri.ucsal.br/handle/prefix/2010
dc.languageporpt_BR
dc.publisherUniversidade Católica do Salvadorpt_BR
dc.publisher.countryBrasilpt_BR
dc.publisher.initialsUCSALpt_BR
dc.relation.ispartofSEMOC - Semana de Mobilização Científica- Uma abordagem urbana sobre o carnaval de Salvadorpt_BR
dc.rightsAcesso Abertopt_BR
dc.subjectCarnavalpt_BR
dc.subjectSEMOC - Semana de Mobilização Científicapt_BR
dc.subject.cnpqSociais e Humanidadespt_BR
dc.subject.cnpqMultidisciplinarpt_BR
dc.titleUma abordagem urbana sobre o carnaval de Salvadorpt_BR
dc.title.alternativeSEMOC - Semana de Mobilização Científicapt_BR
dc.typeArtigo de Eventopt_BR

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