A peleja no cotidiano suburbano: o discurso do medo

dc.citation.issueVIpt_BR
dc.creatorLopes, Regina Trindade
dc.creatorUCSAL, Universidade Católica do Salvador
dc.date.accessioned2020-10-19T19:31:07Z
dc.date.available2020-10-19
dc.date.available2020-10-19T19:31:07Z
dc.date.issued2003-10
dc.description.resumoO panorama da vida cotidiana no subúrbio de Salvador é permeado, constantemente, pelos alarmantes índices de homicídios divulgados e reificados pelos órgãos de Segurança Pública. O espaço suburbano intercala, simultaneamente, as ações violentas dos marginais e dos supostos salva-guardas da segurança individual e coletiva de seus moradores: a polícia. Este artigo tentará trilhar os contornos de um território estigmatizado pela violência, a qual atinge, especialmente, jovens em idade economicamente ativa. Suscitará ainda, a reconstrução do conceito de cidadania regido por entidades e centros culturais existentes no mesmo perímetro, projetando, assim, a peleja do “modo de ser” suburbano. O espaço suburbano foi, ao longo do tempo, tomado pela incessante migração, iniciada em meados da década de 70, com o surto industrial da capital baiana, fomentando o crescimento econômico da capital, na tentativa de descaracterizar o provincianismo que lhe era peculiar. Após a construção do trecho ferroviário “começa a expansão urbana de Salvador rumo ao subúrbio e consequentemente o surgimento dos bairros de Paripe e Periperi” (FONSECA & SILVA), sustentada por uma abundante mão-de-obra, composta por populações de baixa renda, vislumbrando o progresso e melhoria de vida, com a instalação das fábricas e oficinas que passam a transformar o cenário bucólico que configurava o subúrbio. Inicialmente, o distanciamento que o subúrbio representava para as camadas mais baixas era um diferencial para as incursões de lazer das elites baianas, apenas utilizado como espaço de veraneio, em decorrência das belezas naturais que compõe o subúrbio, com suas praias e um fabuloso espaço verde, representado pelo Parque São Bartolomeu, que guarda a memória da ancestralidade africana, que segundo Gey Espinheira (1998) estão esquecidos e abandonados pelo urbanismo da cultura hegemônica. Foi a partir do sucateamento de suas fábricas e o surgimento de uma nova figuração urbana, adversa aos ditames da elite baiana, tomada pelo crescimento desordenado de sua população, que se delineou o espaço ocupado, hoje, por mais de 500 mil habitantes, espalhados pelos 22 bairros que formam o tecido urbano do Subúrbio Ferroviário, alicerçado pela extensão de 13,7 km de linha férrea, ligando os bairros da Calçada a Paripe, segregando, espacial e racialmente, os moradores do subúrbio. No entanto, diante de tantas incertezas e desassossegos, têm surgido diversas pesquisas, a exemplo da CJP (OLIVEIRA, 2000), Comissão dos Direitos do Cidadão da Câmara Municipal (CARVALHO, 2001), Programa de Redução de Danos no Subúrbio de Salvador (ESPINHEIRA/UFBA) Fórum Comunitário de Combate à Violência (FÓRUM/UNICEF/INST. NINA RODRIGUES. 1998-2001)3, que traz à sociedade civil, a outra face da segurança pública do Estado, assim como o “rastro de violência” que assola os bairros periféricos da cidade do Salvador, onde as condições de vida são as mais precárias, estigmatizando e vitimando, em especial, jovens, homens e negros, na faixa etária de 15 a 39 anos. A impressão de luta contínua, não mais pela existência, mas por uma passagem rápida e menos dolorosa pela vida, é detectada na face daqueles que vivenciam a agonia de um futuro incerto. Essa situação se agrava quando o desencantamento, construído a partir de um horizonte imerso num universo de privação e medo, abriga os maiores índices de violência, com o aumento cada vez mais alarmante dos inúmeros homicídios que assolam os bairros periféricos, ao observarmos um estudo realizado pela Comissão dos Direitos do Cidadão da Câmara Municipal e entidades Não-Governamentais (2001), mostrando a outra face da Segurança Pública na cidade de Salvador em 1999, com ênfase nas distorções da atuação do aparato policial (LOPES, 2002). [...] As áreas compreendidas entre os bairros da Pituba, Ondina, Rio Vermelho, Itaigara, Caminho das Árvores, Barra, Graça, Piatã, Armação, Patamares, com aproximadamente 246.000 habitantes, têm um efetivo de 1.403 PMs, o equivalente a 01 PM para cada 175 habitante, e dispõem de 34 viaturas e 03 delegacias. Entretanto, os bairros de Plataforma, Lobato, Alto do Cabrito, São Bartolomeu, Escada, Periperi, Coutos, Felicidade, Paripe, São Tomé, Ilha de Maré, Itacaranha, Praia Grande, São João, Alagados, situados no Subúrbio Ferroviário, com aproximadamente 280.000 habitantes, têm um efetivo de 267 PMs, o equivalente a 01 PM para cada 1.045 habitantes, e dispõem de 03 viaturas e 01 delegacia (FERNANDES, 2001, p. 73). Somente para ilustrar o grau de insegurança que atinge a população de Salvador, em especial os bairros do subúrbio, vítimas da exclusão social e da falta de políticas públicas eficazes, num espaço de 15 dias, no mês de fevereiro, após o Carnaval, ocorreram 28 homicídios, vitimando homens, jovens e negros, “no espaço delimitado pela ação truculenta da polícia e dos ‘ditos marginais’ ” (LOPES, 2003 ). O estado de insegurança e medo fazem parte da vida cotidiana de seus moradores, que saíram às ruas, pedindo paz e justiça, em nome da memória daqueles que foram tirados de suas casas, ou abordados em via pública, sem direito à defesa, onde a lei é a arma e a justiça o toque de recolher. Com referência aos mecanismos de auto-proteção utilizados pela população amedrontada, em decorrência do avanço vertiginoso da violência urbana, é salutar lançar a seguinte passagem: [...] A proporção de indivíduos que declarou possuir arma de fogo (6%) eqüivale a aproximadamente 140.000 pessoas residentes na Região Metropolitana de Salvador, constituindo um exército extra-oficial quase tão grande quanto o exército do País. Se a este número de pessoas armadas se acrescenta a proporção daqueles que desejam adquirir armas (21%), pode-se formar uma idéia da gravidade da situação atual (PROJETO ACTIVA, 1997, p. 47). Esse diagnóstico se reifica na convivência cotidiana, na qual membros de comunidades periféricas, a exemplo do Sr. Derivaldo Dias, líder comunitário da Associação 15 de março, externaliza toda sua angústia diante da incerteza de sua existência: “prefiro me bater com um marginal do que com a polícia, porque tenho certeza que irei morrer”. São relatos como este que expressam a desigual distribuição da violência e a ação devastadora das polícias, seja em atividade ou fora dela. Segundo a pesquisa realizada pelo Fórum Comunitário de Combate à Violência/2003, evidenciado no exemplar o “Rastro da Violência”, a trajetória da violência não sofreu nenhum tipo de alteração significativa, em decorrência da inércia e descaso das autoridades competentes que excluem, mais uma vez, os bairros considerados de alta periculosidade das políticas públicas “discutidas” para compor o PDUA/SSA. Os dados apresentados suscitam questões acerca da eficiência do modelo de policiamento comunitário, aplicado diferentemente nos bairros periféricos, na prevenção e redução da criminalidade, a partir do momento que a ação policial está ocupando o 2º lugar das atribuições nos homicídios na cidade de Salvador e RMS, e o 3° lugar, segundo o SOS Tortura (2002), em nível nacional: [...] A Bahia ocupa o terceiro lugar (9,25%) em denúncias de tortura no Brasil, perdendo apenas para São Paulo (17,9%) e Minas Gerais (12,1%). Os maus tratos acontecem, principalmente, nas delegacias (35,1) e nos presídios (20,6%). Razões principais: forma de castigo (30,6%) e obtenção de confissão (24,6%) situação atual. Evidencia-se a descaracterização do programa de policiamento comunitário, que estabelecia a manutenção do bem-estar social em parceria constante com a sociedade. Entretanto, a ação repressiva da polícia se legitima pelo consenso estabelecido com a própria comunidade, quando a mesma, na tentativa de expurgar os ditos “criminosos” do seu território, consolida a eficácia da ação policial (truculenta) para manter a ordem e o controle social. Com uma trajetória ladeada por sucessivos assaltos à dignidade humana, envolvendo as mais diversas formas da violência, seja moral, física, econômica, étnica e sexual, criando no imaginário de seus moradores um sentimento de inferioridade a partir do não-reconhecimento do termo “suburbano”, identificado, quase sempre, pelos principais veículos de comunicação de massa, como local marginal e deteriorado pela miséria, revelando “ser esse o modo de ser da vida cotidiana nos bairros periféricos da cidade [ ]”, algumas entidades que compõem o perímetro suburbano: ASPASB - Ação Social da Paróquia de São Brás de Plataforma, COMONAL - Conselho dos Moradores de Novos Alagados, CEDEP, PANGEA - Cooperativa de Mulheres de São Bartolomeu, RENA - Rede de Entidades de Novos Alagados, CEASB - Centro de Educação Ambiental São Bartolomeu, além das associações 1° de maio e 15 de março, que projetam para os moradores do subúrbio um ideal a ser alcançado. Ainda não lhes foram outorgados esses objetivos de participação e inserção nas decisões que se referem à formulação das políticas públicas, incluídas na revisão do PDUA/SSA. Enquanto não forem incluídos nesse processo, não serão considerados cidadãos, pois “o direito é mais que apenas uma opinião, não porque encerre todos os valores certos, ou porque os valores que encerra tendam, de tempos em tempos, a refletir os da maioria ou do grande número, mas porque é o valor dos valores” (BICKEL, 1974, p. 15). Apenas aqueles que participam como membros economicamente ativos na sociedade adquirem a cidadania, entendida como um contrato firmado entre as partes: indivíduo e governo. Em contrapartida, Teles (1997) enfatiza que essa relação não se estabelece pela “transgressão da palavra”, a destituição e a corrosão dos direitos, numa recusa de direitos que nem mesmo chegaram a se efetivar, desde que o mercado é o único e exclusivo princípio estruturador da sociedade e da política. É dentro desta ótica excludente que o governo se relaciona com os moradores do subúrbio – pela ação policial –, atingidos por dívidas de drogas e pelo funil da exclusão social, “[ ]homens, especialmente os jovens (65%), na faixa etária (15 a 39 anos), com baixa qualificação e escolaridade também baixa (76% entre analfabetos e 1° grau) [ ]” (IMLNR/FCCV), que não vislumbram seus direitos pela situação de extrema necessidade em que se encontram, pois não compreendem o que vem a ser Direitos Sociais, em decorrência do imediatismo que a situação de privação lhes impõe. Com o objetivo de conter esse rastro de violência, o Projeto Abrindo Espaços/UNESCO, ciente da total falta de espaços de lazer nos bairros considerados de risco – situados nas áreas periféricas da cidade – adotou uma ação efetiva para a abertura das principais unidades escolares, a fim de realizar oficinas de cultura e arte, abrigando não apenas os estudantes, mas toda a comunidade local, intervindo em um dos indicadores que induzem os jovens à criminalidade, à ociosidade, decorrente da ausência de perspectivas. Esse trabalho foi acompanhado de perto pelos estudantes da disciplina ACC-455 – Desenvolvimento Comunitário em Plataforma – Animação da Vida, realizando, concomitantemente, oficinas de Agente Comunitário de Comunicação, abordando o contexto histórico do local, além da significativa oficina sobre o reconhecimento de “ser suburbano”, com intuito de incentivar a autocrítica dos adolescentes, fazendo-os pensar sobre as suas reais existências e o papel político que cada um deve exercer dentro e fora de sua comunidade. Esse trabalho de valorização da auto-estima de jovens suburbanos já vem sendo realizado pelos centros culturais de Escada, Sofia e CESEP, a fim de desconstruir a violência e projetar um olhar que não esteja atrelado às práticas violentas, em prol da cultura da paz (LOPES, 2002).pt_BR
dc.identifier.isbn85-88480-18-12
dc.identifier.issn85-88480-18-12pt_BR
dc.identifier.urihttps://ri.ucsal.br/handle/prefix/1877
dc.languageporpt_BR
dc.publisherUniversidade Católica do Salvadorpt_BR
dc.publisher.countryBrasilpt_BR
dc.publisher.initialsUCSALpt_BR
dc.relation.ispartofSEMOC - Semana de Mobilização Científica- A peleja no cotidiano suburbano: o discurso do medopt_BR
dc.rightsAcesso Abertopt_BR
dc.subjectMedopt_BR
dc.subjectSEMOC - Semana de Mobilização Científicapt_BR
dc.subjectSuburbanopt_BR
dc.subjectCotidianopt_BR
dc.subject.cnpqSociais e Humanidadespt_BR
dc.subject.cnpqMultidisciplinarpt_BR
dc.titleA peleja no cotidiano suburbano: o discurso do medopt_BR
dc.title.alternativeSEMOC - Semana de Mobilização Científicapt_BR
dc.typeArtigo de Eventopt_BR

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