Um jirau, um pilão e a educação: ancestralidade nos legados intergeracionais de mulheres do Velho Chico

Abstract

Esta tese centra-se na análise de narrativas de mulheres, guardiãs da memória familiar, com o objetivo maior de apreender os processos associados à ancestralidade feminina e à educação que direcionam as mudanças, as rupturas e as permanências do lugar da mulher na gestão familiar. Especificamente, buscou-se conhecer os processos de transmissão da história cultural das famílias em torno dos hábitos e objetos domésticos, como o pilão e o jirau, relacionados às ancestrais; identificar as estratégias femininas para se constituírem como provedoras e responsáveis pela educação dos filhos em famílias de princípios patriarcais; analisar os sentidos e os significados atribuídos pelas mulheres ao papel de suas ancestrais na gestão da família; e, por fim, compreender as repercussões na gestão da família ocasionadas pelos sentidos e os significados atribuídos pelas mulheres ao seu próprio lugar, nessa gestão. Trata-se de um estudo empírico, norteado pela Autoetnografia Colaborativa à Deriva, realizado entre os anos de 2022-2025, no território do Velho Chico-Bahia-Brasil. Os diálogos teóricos, realizados com referenciais da Educação, da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia e da Literatura, partem da Epistemologia Feminista Negra para apreender como as mulheres, ancestralmente, cuidam da gestão das famílias e transmitem essa responsabilidade para as suas descendentes. O recorte do grupo pesquisado, que abrangeu quinze mulheres e um homem com características de guardião e guardiãs da memória de duas gerações distintas, todas integrantes da minha família extensa, incluiu também a participação espontânea de diferentes pessoas da família, que colaboraram principalmente com documentos, informações e fotografias. A coleta das narrativas ocorreu nas casas onde viveram as minhas avós materna e paterna, também mães e avós do grupo pesquisado. As estratégias utilizadas foram a entrevista narrativa, a observação direta do cotidiano familiar, o contato direto com os membros do grupo e a análise de fotos e documentos da família e do território no qual as avós matriarcas viveram. Os resultados apontaram que as alterações e permanências na gestão familiar são implicadas pela educação formal e familiar das mulheres, assim como por transmissões entre as gerações que ainda hoje ocorrem em rodas de conversa dentro das casas de famílias, no entorno dessas residências e nos espaços de trabalho. Nessas transmissões se evidenciaram, entre outros, ações das avós matriarcas para possibilitar às filhas uma realidade diferente da vivenciada por elas no casamento, manifestada principalmente no direcionamento das descendentes para a educação formal. As rupturas provenientes dessas ações são percebidas na mobilidade educacional das descendentes e na reorganização dos grupos familiares que a geração filha constituiu, nos quais os descasamentos prevalecem. Evidenciou-se também que as transmissões através das narrativas orais são protagonizadas principalmente por mulheres que se responsabilizam por objetos relacionados à história do grupo familiar. Por fim, verificou-se que a gestão de famílias por mulheres é sustentada por uma rede de solidariedade entre elas, enraizada na ancestralidade, que se expressa em vínculos de afeto e colaboração mútua, em confrarias informais, fortalecidas e reinventadas a cada geração.

Description

Keywords

Ancestralidade feminina, Objetos de família, Educação, Gestão de famílias

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